Istambul, uma cidade onde queremos regressar…

Não podíamos ter tomado melhor decisão do que a acabar esta primeira temporada na Turquia, por variadíssimas razões: a primeira é que a achámos linda, a segunda porque pudemos carregar com os presentes comprados para casa e por último porque tivemos a oportunidade de iniciar a transição entre a cultura europeia e a asiática.

Istambul foi diferente por tudo. Pela religião, pela política, pelas pessoas, pelo estilo de vida, pelos monumentos, pela comida, pelos cheiros… Istambul é bom para andar a pé pelas ruas, bazares e mercados, e isso é estupendo. Cada vagueio, cada sensação nova. Os cheiros nunca eram iguais, os sabores eram sempre diferentes.

Nos bazares e nos mercados sentiam-se os aromas das especiarias e dos chás que se vendiam às centenas de turistas que enchiam os edifícios mais antigos da cidade. Mas naqueles espaços podia-se encontrar muito mais do que isto, desde falsificações do último modelo da Channel, ao colorido candeeiro para pôr na mesinha de cabeceira – tudo com preços negociáveis. Eis que vos apresentamos a nossa maior evolução nesta viagem – a arte de bem regatear! Pensámos várias vezes que a melhor forma de viajar para a Turquia seria de roupa interior e malas vazias, porque todos os preços são realmente apelativos. Mas deixamos algumas dicas: primeiro do que tudo, nunca compre nada nos dois primeiros dias porque, regra geral, vai-se sempre arrepender; tenha noção que mesmo quando pensa que já conseguiu negociar um “preço especial”, há de sempre encontrar um mais baixo; fale do Quaresma e do Simão, eles vão adorar saber que é português; se for estudante, não se esqueça de dizer, terão o desconto perfeito para si. No final de tudo isto, e se o preço permanecer alto (ou se for muito exigente), agradeça e vire costas, pois se ele vier atrás de si é porque sabe que conseguirá um preço melhor na loja ao lado. Toda esta dinâmica mercantil é muito interessante. Veem-se vendedores a consumir os produtos uns dos outros, a ajudarem-se na venda de produtos e na logística das lojas, ou mesmo a avisar que a polícia está a chegar, o que para alguns pode ser um problema (aviso este, feito por intermédio de um assobio especial).

Mas o mais curioso foi quando nos apercebermos de que havia poucos sem-abrigo pelas ruas. Pensamos nós que isso se deve ao enorme esforço que este povo demonstra para trabalhar e, igualmente, para aprender inglês, já que o mercado está muito virado para o turismo.

Estas proximidades que detetámos entre trabalhadores estendem-se às suas vidas quotidianas. Via-se com alguma regularidade dois ou três homens de braços dados e, para se cumprimentarem, davam um aperto de mão encostando as testas.

Também reparámos que neste país as relações se mantêm muito segregadas entre sexos. Os homens têm um maior convívio com outros homens, e as mulheres com mulheres. No caso dos homens, esse convívio é frequentemente feito em redor do narguilé, a famosa shisha, que é fumada quase todos os dias por muitos deles. Para além disto, a grande base de sustentação da sociedade continua a ser a família, onde ocorre a maior parte do convívio.

Todos sabemos que a religião islâmica é uma das mais regradas e rigorosas religiões do mundo. Esta é, então, a religião predominante na Turquia. Por constatação nossa, começámos por reparar que as mulheres nunca rezavam perto dos homens, tinham uma secção especial para elas. Além disso, vimos que todos os homens lavavam os pés antes de entrar na mesquita, no entanto não se via as mulheres a fazer o mesmo. Ao que parece, elas não os lavam publicamente, fazem-no num local mais isolado, a fim de esconder a sua “intimidade”. Percebemos isso, depois de uma conversa de longas horas com um americano residente na cidade, com quem esclarecemos muitas dúvidas. Por exemplo, passámos a saber que um muçulmano, ao longo da sua vida, deve cumprir com alguns deveres, entre os quais rezar 5 vezes ao dia, não comer durante as horas de luz do período do Ramadão, dar esmola, fazer pelo menos uma peregrinação a Meca e, por fim, pregar a palavra de Alá. A ideia que habitualmente fica da Turquia é que este país é extremamente religioso, até porque só na cidade de Istambul é possível encontrar aproximadamente 40 mesquitas, e ainda é normal, por exemplo, 5 vezes ao dia, ouvirem-se orações nos megafones das mesquitas. No entanto, ficámos a saber que a religiosidade neste país não é tão rígida como em muitos outros países muçulmanos, e tem-se como exemplo para isso o uso dos lenços sobre os cabelos, que muitas mulheres optam por não usar. Outras usam-na mesmo sem acreditar, devido a questões culturais. No entanto, e na grande maioria dos casos, o sexo antes do casamento não é visto com bons olhos. O casal só se toca pela primeira vez depois de casados, para além disso todos os seus encontros anteriores ao casamento são acompanhados por um familiar ou amigo. Pelo facto de o casamento apresentar uma tão grande importância para a sociedade, todos os homens são impedidos de arranjar casa sem ter já uma mulher…

No que diz respeito à governação do país, por mais estranho que possa parecer, esta é antirreligiosa, de tal forma que as mulheres, até ao ano passado e devido ao uso da burca, não podiam entrar na Universidade, e até há dois anos não eram assistidas no hospital. Segundo o americano que acabou por almoçar connosco, “tudo o que o governo pode fazer para destruir a religião, faz”.

Independentemente disto, o esforço deste país para aderir à União Europeia é evidente. Essa vontade está, segundo muitos, a tornar a Turquia um país melhor, mas, por outro lado, há quem tenha medo de que isso o vá “ocidentalizar” demasiado. Uma das reformas efetuadas por intermédio de um referendo foi tornar a política a força soberana em detrimento das forças militares, que ao longo de vários anos foram depondo o governo constantemente.

Foram umas horas muito bem passadas e de grande aprendizagem, foi um luxo podermos encontrar alguém que nos pudesse responder a todas as nossas questões. No final, e como se ainda não bastasse, pagou-nos o almoço, argumentando que naquele país os convidados são tratados como reis na casa dos outros. Portanto, e aplicando a situação a este caso, os convidados nunca poderiam pagar a conta. Outra coisa que também reparámos foi na magnificência dos turcos, que não têm problema nenhum em dar, em fazer um desconto. Justifica-se este atestado pela máxima do nosso amigo americano – “No este as pessoas são muito humildes, gostam de dar. No oeste é diferente, são muito justas” – o que se pensarmos um bocadinho, tem todo o sentido.

Já que tocamos no assunto, comer na Turquia foi maravilhoso. Com a mão, com um pedaço de pão espalmado, ou simplesmente com um garfo, e muitas vezes de um prato comum, comemos e experimentámos quase de tudo. A comida tradicional turca é caracterizada pelo churrasco e pelos muitos condimentos adicionados aos pratos, com muito picante e especiarias, legumes salteados e sempre acompanhados por pão. Para acompanhar estes pratos saborosos, não se bebe álcool, mas sim um sumo amargo ou um iogurte líquido natural (que, por vezes, é servido à pressão). As sopas são todas apetitosas, mas não chegam aos calcanhares das das nossas avós… Quanto à doçaria, uma palavra – brilhantes. Todas com muitos frutos secos e extremamente doces, são uma tentação para qualquer pessoa que queira manter “a linha”.

Para finalizar esta primeira parte da viagem, e para termos um regresso bastante relaxado, fomos experimentar o tão tradicional e conhecido banho turco. Fomos recebidos atenciosamente e convidados a despir as nossas roupas, ficando-nos apenas com um pano enrolado ao corpo. Entrámos numa sala feita em mármore, num ambiente semelhante a uma sauna, e por lá estivemos deitados até chegar o massagista, que nos relaxou o corpo e libertou os músculos. Seguiu-se uma esfoliação e o banho em si. No final de tudo passaram-se cerca de duas horas, seguidas por um tradicional café com borras.

Concluindo, a Turquia é tudo. Istambul, mais propriamente, mostrou-nos tanto que estas linhas são poucas para o descrever. Mostrou-nos uma cultura que resulta de uma série de outras tantas, todas elas intensamente diversificadas. Nesta cidade, encontrámos uma sociedade esforçada e feliz, que vive com o fruto do seu trabalho e que não se resigna à miséria que a vida lhes pode reservar. Tudo isto inserido numa cidade que transborda beleza e dinamismo, onde quando nos perdemos pelas ruas encontramos sempre algo interessante – ou um mercado, ou um vendedor ambulante, uma mesquita ou mesmo uma paisagem citadina. Uma cidade onde queremos regressar…

Por fim, gostaríamos de fazer dois agradecimentos. O primeiro vai dirigido a todos vocês leitores, que durante estes dois meses nos deram a honra de serem nossos companheiros à distância, mas no entanto de forma tão ativa e regular. Não se esqueçam que as vossas sugestões, trocas de ideias e mesmo os simples agradecimentos fazem esta viagem ter um toque bastante mais especial. Seguidamente, agradecemos mais uma vez à Fundação Lapa do Lobo, na pessoa do Dr. Carlos Torres, que sempre preocupado e atencioso nos ajudou a tornar este sonho realidade.

Acabámos a primeira temporada, mas a viagem ainda nem vai a meio. Em janeiro regressamos, e nessa altura, estaremos na Índia!

Hoşçakal, dostum!

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10 respostas a Istambul, uma cidade onde queremos regressar…

  1. Marta Borges Bernardo diz:

    Acompanhei as vossas crónicas com grande entusiasmo, e espero ter a disponibilidade de o fazer durante a segunda temporada da vossa viagem. Estão, de uma forma genérica, muito bem escritas, e é notório o vosso esforço em relatar em palavras tudo aquilo que os sentidos conseguem apurar.
    Sobre esta crónica, no entanto, tenho uma pergunta: Quando vocês dizem que “as mulheres, até ao ano passado e devido ao uso da burca, não podiam entrar na Universidade, e até há dois anos não eram assistidas no hospital.”, quem é que vos passou essa informação? Foi o tal senhor americano que referem? É que eu convivi de bastante perto com várias pessoas turcas, essencialmente mulheres que, enquanto eu estava a fazer um semestre da minha Licenciatura no estrangeiro, elas estavam a acabar o Doutoramento / Mestrado, e já tinham tirado a licenciatura na Turquia. Não quero por em causa a informação que vos deram, nem tal me passaria pela cabeça, mas é estranho como uma informação tão simples pode assumir contornos tão opostos…

    No entanto, continuem a vossa ainda muito longa viagem com o mesmo espírito, a mesma receptividade e a mesma abertura de espírito. Para além de ficarem enriquecidos em questões de viagem, estou certa de que a acabarão muito mais adultos, e mais conscientes!

    Boa viagem e Boas Festas!! 😀

    • fllgapyear diz:

      Olá Marta,
      É com prazer que sabemos que nos tens acompanhado, e esperamos que durante a segunda parte o possas fazer também.
      Em relação à tua questão, sim, foi o americano que nos transmitiu essas informações. Fui agora fazer uma rápida pesquisa, e ao que parece, a burca ou outros adereços religiosos realmente impediam uma mulher de estudar. Segundo o site “Portal Turquia” (http://www.portalturquia.com/paginasub.asp?id=251), a burca foi proibida desde a Implementação da República. Muitas turcas optam por usar apenas um lenço, mas como o site refere, “o lenço na Turquia, não tem apenas um significado religioso, mas também político. Nas últimas décadas, muitas jovens aderiram ao uso do lenço como uma forma de protesto contra o governo secular”, daí o governo agira contra o uso de adereços religiosos, já que estes, em contrapartida, agem contra o governo (por este ser laico/ secular) . Especificamente ao caso das universidades, encontrei este site “http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/turquia/index.shtml”, onde se pode ver no ponto “1” que, era proibida qualquer manifestação religiosa nas instituições políticas e sociais do país. As Forças Armadas (que, como se pode ler na nossa crónica, controlaram o país durante anos, parágrafo 10), garantiam a manutenção do secularismo no país, e baniram os véus nas universidades em 1997. Todas as servidoras públicas turcas, incluindo as professoras, não os podiam usar. Para os líderes políticos, militares e do Judiciário, impedir o uso do adereço significava deixar claro que o estado era laico.
      Confesso que fiquei inseguro quando perguntaste isso, seria perfeitamente normal termos entendido qualquer coisa mal, já que a conversa foi obviamente em inglês, mas ao que parece, não se podia mesmo usar burca ou lenços, não só nas universidades como em muitos outros locais. Portanto imagino que as tuas amigas tenham tirado a licenciatura sem o uso destes adereços, porque de outro modo, e como dizes, a mesma informação assume contornos bastante opostos ;).
      Obrigado

  2. Jorge Figueiredo diz:

    Bom dia
    Definitivamente não existe a mímina dúvida que o “encerrar do pano deste primeiro acto” ocorre de forma sublime.
    Genericamente todas as crónicas deleitaram os nossos apetites, sobretudo se se tiver em linha de conta que: A vossa viagem, gostaríamos muitos de nós (deveria antes dizer todos) que fosse a nossa viagem.
    Assim, resta-me desejar-vos muito descanso (ou talvez o seu inverso) para rapidamente voltarem à “estrada”.
    A grande ilação (deveria antes dizer lição) que retiro desta primeira parte da viagem é a seguinte: “Não julges nada por antecipação, cria ao invés expetativas que vivenciarás após in loco no dia a dia”.

    • fllgapyear diz:

      É uma enorme satisfação saber que tem sido um seguidor tão assíduo, e sim, vamos aproveitar para descansar bastantes estes dias…
      A frase que escreve é, realmente, toda a base do que temos vivenciado.
      Muito obrigado

  3. Manuela Marques diz:

    Verifico que se renderam completamente a Istambul!
    Foi sempre com grande agrado que li as vossas crónicas e foi óptimo terem-nos dado a oportunidade de partilhar as vossas experiências.
    Ganhem forças para a nova etapa, bem mais difícil, mas não menos interessante.

    Beijinho grande

  4. Gena diz:

    Mais uma excelente crónica! Obrigado por esta e por todas as outras! Adorei e espero com ansiedade a segunda temporada, que imagino ainda mais interessante!
    Obrigado Tiago, obrigado Gonçalinho!

  5. fabuloso. O abraço espero dar-to pessoalmente. Até já.

  6. Gostei muito da vossa descrição acerca da Turquia, pelos vistos vocês deixaram para o final da primeira temporada este “encantador” país foi colocar a cereja no topo do bolo.
    O que eu admirei foi os namorados andarem sempre acompanhados por um familiar, antes do casamento, apetece-me dizer que vocês devem pôr isso em prática! Até à vista, que esta está próxima e muito ansiada. Beijinhos

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